sábado, 29 de outubro de 2011

Ilha das Flores e a cidadania: uma reflexão sobre a dignidade e a liberdade humana

A falta de dignidade humana é pauta de sérias discussões no Brasil e em todo o mundo.Ainda que a Constituição Nacional de 1988 seja pautada na Declaração Universal dos Direitos Humanos, cenas degradantes e desumanas são observadas em todo território nacional.

O Documentário “Ilha das Flores”, de Jorge Furtado, ilustrou este quadro onde a decência humana era inexistente no ainda no final do século passado. Localizada em Belém Novo, município de Porto de Alegre, extremo Sul do Brasil, a Ilha das Flores foi um local designado para o depósito de lixo durante muitos anos.

Avistavam-se poucas flores na Ilha das Flores. Havia, porém, muito lixo e porcos. Os donos dos terrenos costumavam cercar suas propriedades para que os porcos não pudessem sair e, por mais estranho que possa parecer, outros seres humanos não pudessem entrar.

De acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil(art. 5º) são direitos e garantias fundamentais a “igualdade perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, a “inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade” e ainda que ninguém seja submetido a tratamento desumano ou degradante.

O que acontecia na Ilha das Flores, no entanto, era bastante diferente disso. A dura realidade era que os empregados dos donos dos terrenos, os donos dos porcos, separavam os alimentos do lixoque julgam ser aproveitável na alimentação dos porcos. Em seguida, de dez em dez, mulheres e crianças pobres, eram autorizados durante cinco minutos a passar para o lado de dentro da cerca para pegar alimentos que foram considerados inapropriados para a alimentação dos porcos.

O que colocava os seres humanos da Ilha das Flores depois dos porcos na prioridade de alimentos era o fato de não terem dinheiro nem dono. Todavia, este contexto foi modificado nos últimos anos e políticas públicas específicas para o problema foram desenvolvidas para que este local deixasse de ser um exemplo da degradação dos direitos e da dignidade humana.

Assim como na Ilha das Flores, muitas mulheres, crianças e pessoas brasileiras nãopossuem direitos, segurança ou propriedade. São tratados como animais, afastados, marginalizados por cercas invisíveis de inúmeros preconceitos e governados por pessoas mais “civilizadas” e instruídas. A cidadania, então, fica submetida a uma dignidade mínima que só é acessível aos que podem comprá-la. Aos que não podem, resta sobreviver do espírito de fraternidade alheio, que, já acostumados com cenas desumanas, bondosamente permitem que se alimentem da comida que não serviu aos porcos. A estes, resta ser livre para escolher entre todo o lixo disponível aquele que melhor lhe servirá de sustento.

Apesar de tudo isso, os artigos da Constituição devem continuar almejados e o Estado deve responsabilizar-se, ser “dono”, cuidar daqueles que lhe pertencem, outorgam e constituem sua existência. Um anseio de mudança deve ser latente no seio da sociedade brasileira. Um sonho de um Brasil com direitos, deveres e dignidade humana deve ser alimentado. A consciência do que, de fato, é a cidadania deve ser instigada desde cedo e exercitada durante toda a vida para que, então, as palavras passem a ser verdadeiras, e não somente indicações.

“O ser humano se diferencia dos outros animais pelo tele-encéfalo altamente desenvolvido, um polegar opositor e por ser livre. Livre é o estado daquele que tem liberdade. Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.”(Fala final do curta “Ilha das Flores”)

Beatriz Mansberger

(Nº USP: 7555221)

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